segunda-feira, 19 de julho de 2010

Olho no dedo.

Quando abri os olhos de manhã senti um choque no interior do cérebro. Provavelmente foi a conexão que tive que fazer para entender que agora meu olho esquerdo estava na ponta do dedo indicador da mão esquerda. Foi difícil enxergar duas imagens ao mesmo tempo. Senti-me assistindo “24 Horas” e o mundo virou multi-tela! De um lado eu via o lustre sem a tampa de vidro no teto do quarto, do outro a ponta do meu dedão do pé descoberto.
Ergui a mão e o movimento me deu náusea. Fechei o olho direito. A visão era meio tremula. Fechei o olho do dedo e abri meu olho direito. Estava tremendo. Fechei todos os olhos até que tudo ficasse escuro. Seria um sonho? Abri o olho esquerdo e vi meu queixo. Estava com as mãos sobre o peito sentindo meu coração acelerado. Respirei fundo e apontei meu dedo. Interessante. Parece um filme, câmera subjetiva. Como se fosse steadicam.
Posicionei o braço de maneira confortável e lentamente fui girando o pulso até olhar pra meu rosto. Vi meus olhos fechados. Abri o direito lentamente e o esquerdo movia-se exatamente do mesmo jeito. Quando abri meu olho direito o esquerdo também se abriu. Porem a imagem que meu cérebro codificava era do olho na ponta do meu indicador. Meu olho esquerdo da face era apenas uma cópia do direito.
Aproximei meu dedo do olho esquerdo. Vi meu olho. Aproximei meu dedo do olho direito. Vi minha alma!
Era como colocar dois espelhos frente a frente e ver a imagem multiplicar-se infinitamente, mas o resultado dessa multiplicação era eu mesmo. Eu e as minhas infinitas possibilidades. Fiquei encantado e me perguntei se Narciso sentia o mesmo ao contemplar-se.
Abri a boca. Coloquei o dedo dentro, mas estava escuro. Quando acendi a luz do banheiro e me olhei no espelho me senti vendo uma foto dessas de Orkut. Onde a pessoa segura o celular ou a câmera e tira uma foto de si. Só que era minha mão! Dei risada, era muito divertido.
Estava com os dentes sujos e a garganta querendo inflamar. Era ruim quando sem querer encostava meu olho em algum lugar molhado. Minha respiração atrapalhava um pouco também. Mas a sensação da saliva no meu olho do dedo era tão enervante quanto alguém cuspindo ou pingando um colírio. Muito chato.
Tomar banho também não foi nada fácil. Entrou espuma e ardeu. Era inevitável usar as mãos do mesmo jeito que sempre usei. Esquecia que estava com um olho no dedo. Quando peguei a toalha, raspei meu olho e ardeu muito.
Dirigir foi quase catastrófico! Não podia abrir o olho do dedo se não perdia o controle do carro. Foi bom quando parou o trânsito. Colocando a mão para fora do carro consegui ver bem mais à frente e desviar de alguns inconvenientes.
Eu tentei trabalhar, mas como digitar? Nem de olho fechado. Tentei segurar o dedo com um elástico, estava ficando ridículo. Inventei um mal estar e liguei para a Solange. Ela só trabalha depois das 18 horas nas segundas.
Quando cheguei a casa dela contei toda historia. Ela deu um grito quando abri meu olho do dedo e olhei para ela. Depois riu. Disse que era bonitinho. Imaginei milhões de coisas que poderia fazer com ela e meu dedo! Tantos novos lugares para explorar. Ela beijou meu olho segurando minha mão. Sugeriu que abrisse um vinho enquanto tirava o almoço do forno.
Quando fui abrir o armário a chavinha caiu e foi parar debaixo do sofá. Foi fácil achá-la usando meu olho do dedo. Peguei o vinho com a mão direita. O lacre de metal atrapalhou e quando fui usar o saca-rolha acabei furando meu olho do dedo. Embrulhei o dedo todo num guardanapo e corri pra cá.
Fizeram um curativo decente e pediram para aguardar.
Até pouco tempo atrás estava com uma vista no escuro. Agora estou enxergando normalmente.
_O que acha doutor?- perguntei enquanto ele abria o curativo.
_É uma piada, senhor?
_Não, não é. Deveria consultar um Oftalmo?
_Se tiver um olho na ponta do seu dedo você deveria consultar uma emissora de televisão. Como não é o caso, acho que o senhor deveria consultar um psiquiatra.- Disse cortando o ultimo esparadrapo.
Fiz cara de susto quando vi meu dedo normal novamente.
_Teremos que dar uns pontinhos aqui. – Disse o doutor – O senhor é ator? Quase acreditei na sua estória.
_Sou escritor - Respondi mentindo minha real profissão - _ Minha visão escorre pelas pontas dos meus dedos!
“Piadinha infame”- pensei- “Baseada em fatos reais”!

2 comentários:

  1. haha! André! viajandão ultimamente, hein? adorei essa! quase morri de rir com o 'Fechei todos os olhos até que tudo ficasse escuro' 0__o todos os olhos? kkkk ai..ai..ai.. xá pra lá!

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  2. Eu pensei em mandar o medico tomar bem no meio do olho do C* dele, mas achei melhor calar-me.

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