quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Coração Nerd

Foi pedindo uma cerveja no balcão, espremido entre um monte de gente que se conheceram. Entre uma cotovelada e outra ele soltou uma piadinha que tirou a expressão irritada da moça de cabelos negros. Olhos de linhas marcantes, boca bem desenhada, um decote provocativo que lhe fez tomar cuidado para não ser indiscreto.
O que mais o deixava intrigado era aquele olhar que estavam trocando. Sentia uma massa quase palpável de surpresa em algum lugar do peito, atrás do coração talvez, que seu cérebro já atordoado pelo álcool tentava decifrar incansavelmente.
Vodka e energético. Ela pegou a latinha e despejou o liquido estranho, meio nuclear, fluorescente no copo. Vou ali com minhas amigas. Cerveja longneck, guardanapo em volta para não esquentar: _ Vai lá – respondeu – eu vou ali fora fumar um cigarro; Prazer, Marcos.
_Prazer, Joana
Cumprimentaram-se com beijinho na bochecha.
Estranho – ela pensou – Que energia boa desse cara.

No dia seguinte Marcos acordou com a boca meio amarga, cabeça meio pesada. Uma leve ressaca. Instantes depois de sair da cama o mesmo sentimento que teve quando conheceu aquela moça, que não lembrava o nome, apareceu repentinamente tomando a parte de trás e as laterais do coração. Sentiu uma euforia próxima daquela que teve antes de viajar para Ilha Bela no carnaval do ano passado. Um mix de alegria, entusiasmo, curiosidade e adrenalina! Mas era balada e ele nem do nome lembrava.
Entrou no Orkut e dos aniversariantes do dia a Lu, amiga de longa data, estava na lista. Mandou um scrap desejando felicidades e resolveu fazer uma rolagem para ver o recado de outras pessoas. JOANA! Era ela! Havia mandado um recadinho pra Lu horas antes. Incrível – pensou.

De noite, na festinha de aniversário, Marcos e Joana se encontraram e esqueceram-se do mundo. Conversaram horas a fio. Sobre tudo. De relacionamentos passados à piadas infames! De trabalhos e futuro. De sonhos e desejos. Olhavam-se profundamente e o que antes era meio coraçao transformou-se em coraçao inteiro. Seu cérebro já não tentava entender o que era aquilo e só mandava o recado: Beije essa boca, beije essa boca. E o corpo parecia tomar atitudes próprias. Nada de beijo, mas toques suaves pelo corpo. Chegou a tirar a franja dos olhos da Joana delicadamente e ela respondeu com sorrisos.
Num momento de silencio repentino, estava a caminho dos lábios quando escutou: Vamos embora Joana? –uma amiga perguntou já com bolsa a tira colo e chaves na mão.
Joana respondeu com pesar nos olhos.
Àquela altura ele já havia dito sobre o Orkut de manhã. Já havia falado sobre seu blog e as coisas que escreve e pensa. Ela também disse que adora facebook e que sempre lê blogs.
Levantaram-se e deram um longo abraço:
_Me “add” lá depois – ela disse
_Claro, podexá – respondeu Marcos.

Joana sumiu entre as pessoas. Sem saber que já estava “Add”. Não em rede social.
Sim no tímido coração, nerd, de Marcos.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Responsa

_André, você tem que ter responsabilidade! – meu pai me dizia. Outra coisa que escutei muito foi: _ A única responsabilidade que você tem na vida é a escola.

Aí, conversando com uma amiga, ela me disse que foge das responsabilidades. Que tem medo de crescer. Foi quando eu parei para pensar sobre o assunto e cheguei à conclusão que somos nós mesmos que criamos nossas próprias responsabilidades.

Muitas vezes cheguei com boletim vermelho em casa e obviamente levei bronca, fiquei sem presente, fiquei de castigo. E quando isso acontecia e escutava que minha responsabilidade era a escola, associei escola + responsabilidade = coisa chata, tortura, uma imposição.
Estudava numa escola de padres onde eu era o único negro. Pelo menos não me lembro de nenhum outro. A elite estudava lá e negros não fazem parte da elite. Ainda mais na década de 80. Sofria muito preconceito sem nem saber o que era isso. O que sei é que detestava a escola. Era imposto que fosse então eu ia. Ia para cumprir com minha única responsabilidade.

Sendo assim, a responsabilidade é isso. Um monte de coisa chata que temos que fazer, pois simplesmente TEMOS que fazer.

Da cartilha lá da escola me lembro bem que aos 30 anos a gente “vira” adulto. Pois bem, se criança minha única “responsa” era a escola, quais são as minhas hoje? Trabalho? Estudei mais de 10 anos para trabalhar no que queria, porque gostava. Não era chato. E qualquer outro exemplo que pense, nenhuma das responsabilidades adquirida ao longo dos anos foi imposta ou torturante. Aliás, quando ficou chato assumi a responsabilidade de mudar de vida!

Muito bem, não seria a responsabilidade irmã do comprometimento? Quase gêmeos talvez?
Partindo de uma vontade, uma idéia, uma necessidade, N fatores, resolvi abrir um negocio. Comprometi-me com isso. Procurei ponto, franquia, financiamento, fiador, sócio, contador, empreiteiro, chaveiro, engenheiro, corretor, parceiros. Tenho contratos assinados que me geram responsabilidades com esse povo todo!

Quando trabalhava com arte ( ainda trabalho só que agora só com coisas que quero ) as responsabilidades começaram a ser torturadoras, não estava mais comprometido com o trabalho e sim com o dinheiro que não recebia. Com a falta de consideração, com o descaso. Essas coisas deixaram meu trabalho um porre. Um martírio, mas que TINHA que ir, pois tinha essa responsabilidade. Deixei tudo e fui procurar um novo comprometimento, novas responsabilidades.

Acho que aprendi então, que sou eu mesmo que crio minhas responsabilidades. Não são impostas por uma força maior vinda do alem! O lance é comprometer-se com aquilo que realmente te satisfaz. Aí, as responsas viram apenas tarefas, fases de um game que logo a gente termina!

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Otário

Ela estava entregue. Olhava para o peito dele subindo e descendo em sono gostoso e imaginava-se numa viagem insólita para dentro daquele corpo, até o coração e ali procurar seu lugar. Instalar-se num canto qualquer e observar, conhecer aos poucos todas as outras pessoas que estão ali dentro.
Sentiu vontade de cuidar dele como sua mãe cuidava de seu pai. Com carinho com cuidado e atenção. Pelo menos até ele sair de casa pela primeira vez.
Ela queria que aquela noite não terminasse, mas a cada novo olhar para o relógio uma hora havia voado. Lembrou da noite que tiveram e as coisas que ele disse e de como tudo tinha sido perfeito. Depois o sexo bom e esse sono calmo.
Aconchegou-se, enroscou-se, envolveu-lhe com as pernas e dormiu.

Acordou com o barulho do zíper da calça jeans. Ele parecia apressado:
_Vou embora.
_Ta bom, e não vai nem me dar um beijinho antes?
_Vou embora da sua vida. Não quero mais.
_E tudo o que você me disse ontem?
_Esquece, vou embora.

Bateu a porta e o chaveiro ficou balançando por um tempo infinito. Ela ficou sentada na cama hipnotizada com o chaveiro que perdia o ritmo até parar de vez. Lembrou-se da mãe e de como ela ficou depois que seu pai saiu de casa para nunca mais voltar.
_Porque eu abro as pernas e entrego a alma? Coração e vagina são dois músculos diferentes! – repetiu pra si o que os sábios amigos um dia lhe disseram.
Num pulo abriu a janela do quarto e lá do quinto andar viu que ele estava na rua e gritou:
_Va se foder seu brocha!

Ele olhou pra cima confirmando que era com ele mesmo e ela aproveitou:
_Pinto pequeno e Brocha!

Ouviram-se as gargalhadas dos vizinhos. Ele saiu cantando pneu.
Ela fechou a janela, abaixou as cortinas deitou-se e antes de dormir resmungou:
_Otário.